terça-feira, novembro 28, 2006

 

A minha humilde (e sem dúvida considerada arrogante) opinião sobre a despenalização da IVG.

1. O debate está de novo no ar. Em 1998, o governo de António Guterres lançou a referendo a discussão da despenalização, no qual o Não ganhou por uma margem mínima porém não vinculativa. Vozes insurgiram-se para ignorar um referendo não vinculativo, mas foram silenciadas com a inércia do tempo e do status quo. Hoje está tudo em paranóia de novo, com sondagens que indicam que desta vez os fetos já não escapam.

2. Abrindo um pequeno parêntesis, todo este processo lembra-me um processo semelhante à da Dinamarca e aos seus referendos contínuos sobre a sua inclusão na União Europeia. Acho no mínimo curioso que se chame um acto de "democracia" ao apelo contínuo de referendos até ao momento em que o "sim" ganhe, momento sempre coincidente com a finalização de apelos de referendo sobre a matéria. Pura coincidência. Do mesmo modo, compreende-se que enquanto não se votar "sim" nesta questão, nunca nos deixarão em paz (até que ponto um referendo com este estado de espírito consegue ser revelador senão de uma resignação ou rebeldia sobre quem nos dirige?). Terão sempre sobre nós o olhar desiludido de quem se resigna com o "povo" que lidera, enquanto não tomarmos a decisão "certa". Tomada, não se voltará atrás, "certa" que a decisão está. Isto é uma perversão da finalidade do que deve ser um referendo. Este deixa de ser um verdadeiro exercício de democracia, sendo antes um exercício de educação por parte do poder sobre o povo, e quem chumba quando os referendos são negativos, é o povo "atrasado" e não as leis que foram a votos. Quando, pelo contrário, votam "sim", passaram o teste da civilização e modernidade. O "povo" compreendeu finalmente onde reside o seu próprio bem.

3. (Deletado por incoerência própria, que querem? errare humanum est)

4. O governo conta ainda com a ajuda dos media como meios acríticos propagandistas, que não hesitam em denunciar casos demagógicos e singulares, sem nenhuma perspectiva global ou estatística, apresentando sempre alguém afirmando números no género "ouvi dizer que tal e coisa", e nunca apresentando o contraditório. Não existem estudos que comprovem quaisquer números sobre o aborto clandestino, (porque a direita ignorou o assunto e porque à esquerda interessa-lhe mais a especulação do que a realidade estatística), mas não falta quem defenda irresponsavelmente que os números sobem às várias dezenas de milhares por ano.

Sobre isto gostaria de contar uma história, que além de verídica, é famosa. Nos Estados Unidos, enquanto o famoso caso Roe vs Wade, que em 1973 permitiu a prática do aborto, prosseguia nos tribunais, uma campanha intensiva aconteceu nos media, onde os "pro-choice" argumentavam que existiam pelo menos um milhão de abortos clandestinos por ano. Ninguém deu voz a quem disse que era um tremendo exagero e uma falsidade, sendo acusados de "diminuírem a situação". O que é facto, é que anos depois, alguns membros destas facções reconheceram a mentira, e que inclusivé admitiram exagerar os números em 1000%. Não eram um milhão, mas cem mil.

Outro dos argumentos "pro-choice" seria o de que os abortos não aumentariam com a legalização, pois ninguém deseja abortos. Ora, o número de abortos nos anos seguintes à legalização ultrapassavam o milhão de abortos por ano, mostrando a dupla conveniência do número falso adiantado pelos "pro-choice" de abortos clandestinos. Segundo estes números falsos não teria existido um aumento de abortos significativo, provando a sua tese. Se tivermos no entanto em conta que, em estudos de opinião a quem fez o aborto legal, 70% disseram que não teriam aquela decisão se fosse ilegal e apenas 4% tiveram a certeza de que o fariam na mesma, chegamos à óbvia comprovação que o milhão adiantado pelos grupos era uma falsidade propagandista. Recordo que 1 milhão em 250 milhões de americanos é a mesma proporção que 40 mil em 10 milhões de portugueses. Atentem aos números que ouvirem.

5. A incoerência de prioridades médicas.

Um dos argumentos a favor do sim é a de que existem várias mulheres que não conseguem economicamente sustentar mais um filho. Tendo em conta que outras e variadas razões de carácter complexo sustentam a validade desta decisão dramática, outro argumento é que "nós não temos nada a ver com isto." Vou tentar desmontar estes mitos, ou pelo menos desmitificá-los.

Se uma das razões é económica, poderemos então extrapolar desde já algumas consequências da despenalização da IVG: o aborto passará a constar das cirurgias que um hospital deve fazer e que os seus custos são suportados pelo estado. A primeira destas consequências é grave, já que o aborto é, pela sua natureza temporal, uma cirurgia urgente, e por este facto intrometer-se-á na já lentíssima fila de espera de cirurgias. Pacientes que padeçam de uma doença real e dolorosa, verão as suas prioridades serem trocadas pelos abortos. Não é coisa pouca. Nos EUA, o aborto é a cirurgia mais praticada actualmente.

O facto de os custos serem suportados pelo estado significa, pelo outro lado, que eu tenho afinal o direito de discutir a validade da prática do aborto nos hospitais. Já que os pago, (e já os pago, infelizmente) tenho o direito de informar que não concordo. E já agora, de votar sobre isso.

6. A teimosia do Não.

Continuamente tem sido colocado o argumento de que a ala "conservadora" tem uma teimosia perante a questão dos direitos das pessoas, das suas liberdades e do progresso em geral. É capaz de ser verdade. Gostaria no entanto de lembrar a estas pessoas de que o "não" não é composto inevitavelmente por pessoas estereotipadas que andam de fato e gravata, fumando charutos e cheias de balelas filosóficas a que chamam de "valores".

Segue logicamente que este não é de todo um argumento válido, é antes um ad hominem com o qual repetidamente me confrontam e já nem tenho paciência para me ofender com isso. Parem com isso, seja quem for. Discutamos antes o aborto, e deixemos de lado as franjinhas ridículas da bancada do CDS para outros momentos menos sérios.

7. O meu argumento fundamental é simples e não foge à lógica geral de quem como eu irá votar "não".

O aborto é crime, porque é uma pessoa e não um parasita ou um "problema" cuja vida está em causa. Não existem barreiras fisiológicas e biológicas capazes de definir o ponto em que deixamos de ser uma "coisa" e passamos a ser "alguém", pelo que deveremos ter sempre o benefício da dúvida do lado do feto e não da sua mãe. Por mais problemas que lhe traga, não se deve colocar em risco o direito alienável à vida.

8. Argumentar-me-ão que uma célula não é um ser humano. Mas em dez semanas, o corpo humano já possui milhões de células e é perfeitamente reconhecível em todos os seus pormenores. Convém compreender o que nos difere assim tanto que nos permita matá-los impunemente. Porque não pensa? (o que diriam os atrasados mentais sobre isso, se conseguissem entender as implicações?) Talvez porque não vê? (O que diriam os cegos sobre isso?) Porque não sente dor? (Como se deixasse de ser um crime matar alguém apenas porque este alguém é incapaz de sentir dor). Não existe nenhuma característica particular sobre a qual possamos basear a justificação da sua morte.

Excepto uma: é pequeno e indefensável, e ninguém sentirá a sua falta se morrer, pois nunca ninguém chegou a conhecê-lo. Quem se importa? It's none of our business really, it's Somebody Else's Problem.

Parece um argumento tipo "tadinho" versão TVI, mas não é. Trata-se que o respeito que temos pelos outros deve ser igual àquele que nós desejamos ter para nós próprios. Estamos a relativizar o valor da vida!

8. Existem mais argumentos. Incluem-se entre eles uma recusa da aceitação de uma nova cultura pragmaticista e economicista que coloca problemas materiais e psicológicos num patamar superior à própria vida (debate que se prolongará na próxima temática da eutanásia); a recusa de aceitar o aborto como método válido de contracepção; a recusa em aceitar uma medida que envenenará a longo prazo o espírito Hipocrático dos médicos; entre uma imensidade de outros argumentos dos quais não me ocorre nenhum neste momento.

Comments:
Ora aqui está um post que eu assinaria por baixo, já que subscrevo, na integra, toda a argumentação.

Que o direito á vida seja um valor que atravessa, transversalmente, todas as filosofias, é algo que me deixa, naturalmente, animado - antes de tudo, que o ser humano se respite a si própio.
 
É um texto antigo, onde tento arrumar as ideias. Expus as razões do meu não e não escrevi sobre as razões do meu sim. Esta é uma questão bastante difícil por excelência, mas sublinho também que o respeito pela humanidade é fundamental se queremos um futuro brilhante.

Mantenho a minha posição sobre a sustentação do aborto através do SNS, embora compreenda as razões contrárias. Já não sou tão maniqueísta quanto à liberalização em si. Cada vez mais tenho horror à noção de o Estado legislar sobre questões morais pessoais.
 
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