terça-feira, abril 11, 2006
Pico
Eu gosto de picos. São uma boa imagem da minha melancolia, a incapacidade de chegar ao infinito. Cada um tem a sua história, a sua personalidade, a sua altura. Reparem que não há nenhum neste planeta que chegue ao céu. Ao contrário, em Marte, o Olimpus Mons tem mais de vinte quilómetros de altura e ultrapassa a já rarefeita atmosfera de Marte. O problema dos picos é que eles só existem num único ponto. Nesse ponto geográfico, a altura máxima é atingida e uma vez chegados lá, podemos apenas descer. Não que não me importe de descer, mas quando toda a vida nos ensinam que em cima, no pico, é que se está bem, descobre-se que a lei da gravidade traz um sabor amargo a morte anunciada, a das profundezas do abismo. E especialmente se nunca lá chegámos, ao pico.
Não falo de mim. Ainda tenho a ilusão de um dia escalar ao meu pico particular, ver as vistas e descer para contar como foi aos meus netos. Falo sim do país.
Já disse aí em baixo que o medo define a nossa era. Bem, não é propriamente o "medo" que me faz dizer isto, mas uma melancólica atenção ao que nos rodeia. Portugal estagnou. Podemos passar a vida a dizer que para o ano é que vai ser, para o ano as coisas vão melhorar, mas agora é diferente. Parou. Uma roda de dez milhões de pessoas parou. Mas como é que tal coisa é possível? Como é possível um cenário Saramaguesco destes, um país prometedor como Portugal simplesmente chegar a um ponto na subida vertiginosa dos picos e subitamente desacelera. Pára. E ali fica durante um tempo, suspensa sobre pedras mais pequenas e instáveis, num equilíbrio precário. Cairá de volta às profundezas a que a anterior geração nos desabituou? E porquê? Que ironia inventou agora o destino?
Dizem que é da China. Do petróleo. Da guerra do Iraque. Da incapacidade política da Europa. É só nomear. Eu ainda vejo mais um muito grave: a deseducação. Durante 30 anos desaprendemos imenso. Desaprendemos a nossa alegria, a nossa dedicação, a nossa maneira de educar, de criar a nova geração. Hoje dizemos às crianças que a vida é uma folia, que estudar é mais "giro" que jogar playstation e que fazer contas de cabeça é para parvos que não sabem mexer numa calculadora. "Aprender a brincar", adivinha-se a mentalidade dos nossos filósofos da educação. Bem nos vejo: incapazes de profissionalismo, andamos às cegas nas profissões onde entramos, a geração anterior simplesmente não confia em nós (e ao mesmo tempo teme-nos, teme que nós roubemos o seu lugar). E eu também não, e se quiserem, muito menos na que há de vir. Não porque não tenham dentro de si a paixão que sempre tivemos, mas porque desaprenderam como expressá-la na vida, no trabalho árduo, no decorar as tabuadas quotidianas. Não. Apenas sabem(os)... filosofar. Criticar. Desculpar(mo-nos). Atirar para a geração anterior. É o que estou a fazer, é a única coisa que realmente aprendi a fazer: culpar o sistema e chuchar no dedo.
Entretanto, na Índia e na China, treinam-se milhões de soldados do conhecimento prontos a invadir o mundo ocidental com uma força nunca vista. Apreciem-na, essa vista, a visão desse exército brutal que se aproxima inexoravelmente para conquistar as nossas comodidades. Apreciem-na enquanto estamos no alto, porque o tempo urge e já nos estão a cobrar demasiado pela estadia (nas casas da turisserra em Lamego, onde as nuvens são mais baixas que a varanda de granito com um tronco rude de madeira a fazer as vezes de uma guarda, e uma vidraça enorme por onde entrava a visão do Douro para o mini-loft com kitchenette e uma janelinha minúscula à direita da mesa de jantar, que nos oferecia o pinheiro que lá plantámos. Será ainda vivo?).
domingo, abril 09, 2006
Tradição e Modernidade
Vivemos tempos interessantes. Tempos de indignação e de irreverência, de rebeldia, é só abrir o telejornal à noite para nos depararmos com a violência escalante na França, por exemplo. Tempos de "choques culturais", que é o mesmo que dizer choque de comodidades... tempos de regressão económica e invasão "chindiana" no mercado.
Há uns meses ouvi dizer que a palavra "medo" define os dias do futuro próximo, e faz sentido. Toda esta incerteza abala quaisquer pedras sólidas em que depositámos os nossos seguros de vida, é uma incerteza que gera um ruído incessante, vozes de desespero e de frustração, de tentativa de auto-expressão. Para exemplo, basta vermos como nos comportamos à frente do televisor quando dá um jogo de futebol.
Eu nasci num tempo em que aprendemos a navegar por entre a incerteza, sem referências exactas e em que todas as palavras são interdependentes. Vem-me à memória este meu percurso de vida porque assisto pavida e serenamente (à Capricórnio) a uma discussão sobre conceitos "milenares" como o "casamento" e como tal conceito não deveria ser barbaramente utilizado nos casais homossexuais. Pensei que deveria ter uma opinião forte sobre este assunto. Mas a verdade é que não a tenho! Coloco as coisas desta maneira: tradições são coisas muito importantes na nossa vida, e devem ser respeitadas, mas elas também mudam, transitam, transmutam-se, usem o verbo que mais estiver na moda.
Apanhei este exemplo no Afixe: há coisa de um século, a mulher não podia votar. Mas graças a um movimento imparável, dignificou-se o estatuto de mulher dando-lhe mais esse direito. No entanto, o nome "voto" não mudou só porque haviam uma série de manfios a dizer que o plebiscito feminino não era o mesmo que o "voto" masculino, "Dêem-lhe um nome diferente, é só isso que peço". O que se pede é que de facto não se toque nas sensibilidades alheias e se dê ao casamento um significado que perturbe. É a lógica do não me chateiem e não me digam nada porque eu não quero saber de vós que começa a imperar nos discursos de quem discute. "Não toquem na minha cultura!"
Proteccionismo. Medo, de facto. Medo do futuro, se ele não for escrito por nós ou por alguém em quem confiemos. "Descrença na natureza humana" ouvi dizer no Gato Fedorento sobre a atitude da direita em relação ao Homem. Pois eu também não confio muito na natureza humana. O homem erra e muito, sobretudo em nome do "progresso". Por isto estou dividido, meus caros leitores. Qual o caminho que devamos seguir? O da desconstrução sem receios das palavras "família" e outras que sejam "basilares" nesta nossa cultura milenar, ou o da conservação mumificadora das tradições, por piores que elas sejam na nossa vida?
É que depois existe o reverso da medalha, sabem? Irritam-me tanto as pessoas que me tratam por imbecil sempre que eu tenho uma opinião mais conservadora, chamam-me de misogenista e outras coisas simpáticas, e exigem-me logo explicações. Esquecer-se-ão que são os promotores da mudança que deverão ser eles a ter argumentos convincentes e não o contrário? E que se eu não me convencer, já pensaram que porventura não é por eu ser teimoso e burro mas porque os seus argumentos não são de facto justos e suficientes?
Vá vá convençam-me!
Há uns meses ouvi dizer que a palavra "medo" define os dias do futuro próximo, e faz sentido. Toda esta incerteza abala quaisquer pedras sólidas em que depositámos os nossos seguros de vida, é uma incerteza que gera um ruído incessante, vozes de desespero e de frustração, de tentativa de auto-expressão. Para exemplo, basta vermos como nos comportamos à frente do televisor quando dá um jogo de futebol.
Eu nasci num tempo em que aprendemos a navegar por entre a incerteza, sem referências exactas e em que todas as palavras são interdependentes. Vem-me à memória este meu percurso de vida porque assisto pavida e serenamente (à Capricórnio) a uma discussão sobre conceitos "milenares" como o "casamento" e como tal conceito não deveria ser barbaramente utilizado nos casais homossexuais. Pensei que deveria ter uma opinião forte sobre este assunto. Mas a verdade é que não a tenho! Coloco as coisas desta maneira: tradições são coisas muito importantes na nossa vida, e devem ser respeitadas, mas elas também mudam, transitam, transmutam-se, usem o verbo que mais estiver na moda.
Apanhei este exemplo no Afixe: há coisa de um século, a mulher não podia votar. Mas graças a um movimento imparável, dignificou-se o estatuto de mulher dando-lhe mais esse direito. No entanto, o nome "voto" não mudou só porque haviam uma série de manfios a dizer que o plebiscito feminino não era o mesmo que o "voto" masculino, "Dêem-lhe um nome diferente, é só isso que peço". O que se pede é que de facto não se toque nas sensibilidades alheias e se dê ao casamento um significado que perturbe. É a lógica do não me chateiem e não me digam nada porque eu não quero saber de vós que começa a imperar nos discursos de quem discute. "Não toquem na minha cultura!"
Proteccionismo. Medo, de facto. Medo do futuro, se ele não for escrito por nós ou por alguém em quem confiemos. "Descrença na natureza humana" ouvi dizer no Gato Fedorento sobre a atitude da direita em relação ao Homem. Pois eu também não confio muito na natureza humana. O homem erra e muito, sobretudo em nome do "progresso". Por isto estou dividido, meus caros leitores. Qual o caminho que devamos seguir? O da desconstrução sem receios das palavras "família" e outras que sejam "basilares" nesta nossa cultura milenar, ou o da conservação mumificadora das tradições, por piores que elas sejam na nossa vida?
É que depois existe o reverso da medalha, sabem? Irritam-me tanto as pessoas que me tratam por imbecil sempre que eu tenho uma opinião mais conservadora, chamam-me de misogenista e outras coisas simpáticas, e exigem-me logo explicações. Esquecer-se-ão que são os promotores da mudança que deverão ser eles a ter argumentos convincentes e não o contrário? E que se eu não me convencer, já pensaram que porventura não é por eu ser teimoso e burro mas porque os seus argumentos não são de facto justos e suficientes?
Vá vá convençam-me!
Areal de Cister
Um amigo pop ofereceu-me o link de duas fotografias do bonito campo de voleibol de praia Cister. Obrigado, João.