segunda-feira, julho 11, 2005

 

CRIL e o Aqueduto

Testemunhei hoje algo que vos parecerá mundano, mas que surge como uma verdade inultrapassável. Mais, ela é inevitável, a saber, que a existência da própria verdade é uma inevitabilidade.

Muitos há entre nós que falam terrivelmente da Idade Média, e obviamente não sem razão, ou melhor dizendo, não sem razões para isso, mas perante o total maniqueísmo que prevalece sobre o espírito humano quando se toca no tema da alegada "Idade das Trevas", há que responder com a verdade das coisas.

E a verdade é que por terrível que essa era foi, ela foi a semente de toda a parafernália de conhecimento que se gerou em toda a Europa. A questão é simples: porque carga de água é que foi precisamente neste pedaço de terra que se gerou tanto conhecimento? Existem historiadores que o responderão mais afinadamente do que eu, mas resumindo por uma única razão: o Europeu Cristão pensava que de facto a verdade encarnou e lhe chamou de "irmão" e "filho". Mais: ele acreditava que a Realidade era para ele (o homem). Perante esta certeza sobre a inevitabilidade do amor da Verdade pelo Homem nasceu a ciência europeia. E o Homem lançou-se a descobri-la (à Verdade, entenda-se).

E aqui entra a questão do Aqueduto. Todos estes caracteres porque numa questão tão aparentemente mesquinha como destruir ou não uma dezena ou duas de um troço pequeníssimo de um aqueduto obsoleto poucos sabem discernir inequívocamente o que fazer daquilo. E isto é gravíssimo. Sinal dos tempos.

Sinal de que hoje o anti-maniqueísmo atingiu o seu pico: o total relativismo e a incerteza geral, fruto de um medo de proclamar uma falsa verdade. Porque não investigar a sério o assunto? Respondo já sem rodeios: porque ninguém acredita nos estudos, ninguém está de acordo sobre a metodologia a usar, todos se digladiam com o seu ego reclamando para si próprios a capacidade de "interpretar" correctamente o zeitgeist e o eterno condensados no valor das coisas (e quando o fazem já não é mau, considerando que a maioria nem vê aquedutos, só vê pedras inúteis).

A minha opinião é a de que não se deve destruir o aqueduto. Um preconceito do qual iniciaria a minha investigação. Acho muito maior a ideia de aproveitar um marco histórico que liga o concelho de Sintra a Lisboa como um ELO URBANO dignificado e respeitado como uma marca desta ligação identitária, um corredor de espaços urbanos, um corredor verde, etc, porque não?
Um pedaço de matéria ao qual todos temos de abrandar, demorar, para prestarmos quotidianamente veneração ao valor da nossa história. Um Monumento que signifique os seus espaços circundantes (como no belo exemplo do bairro operário das Amoreiras).

Mas não. Parece que preferem partir um bocado (também é só um niquito de nada, não dói nem nada, pelo menos não muito, é rápido e num instante) de modo a providenciar ao condutor do seu bólide o conforto de andar a 120 km/h sem grandes constrangimentos. O projectista que desenha tal solução prefere a comodidade ao respeito pela história. Ao abrandamento e reverência à sua própria identidade.

Mas isto, por mais que se ouça, é escusado dizer e o projectista fecha-se em portas (também não sem razões para isso) para não se desgastar com tanto ruído. Diletante como todos os bons projectistas tendem a ser, não se escusará a perguntar: "mas o que é a verdade?" Uns dizem A, outros B, mas eu vejo-os ambos a morrer e o mundo ficará na mesma.

Viveremos nesse mundo de mercenários?

(Se o mundo se cala perante o momento em que as escavadoras destruírem parte da sua memória, portanto identidade, portanto humanidade, qual será a resposta a dar? Mais, qual será a TUA resposta?)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?